terça-feira

Carta para além de mim

Eu nunca soube de verdade o que queria de você. Eu te cobrava como se cobrasse de mim, como se a gente tivesse algo de incerto, de dúvida, que ao invés de confundir atraia. 

Parece que quando eu te olhava me transformava num Midas às avessas, tudo que meu olhar tocava se transformava em mim. Hoje consigo ver que era mais complicado, mais ao avesso, porque no fundo eu acabava me transformando em você. Acho que éramos parecidos e diferentes demais para não sermos uma contradição absoluta, uma unidade. As vezes fantasio que éramos a mesma pessoa.  

O que quero dizer é que estou horas aqui tentando dizer o que nunca disse, é engraçado, eu me via na sua tristeza, acontece que jamais soube se era causa ou conseqüência, se você era efeito colateral de tudo que sempre reprimi ou era a expressão do que eu admirava em mim. Essa capacidade de sofrer sempre me pareceu uma dádiva, como se os tristes tivessem sentidos mais sinceros e sensibilidade fosse uma coisa maior, universal.  

Eu não esqueço, a solidão era nosso retrato, era nossa cara, mas não se parecia com a gente. Recortei os pretextos, os motivos e as ausências e pareceu tão bonito, duas pessoas dividindo para esquecer.  

Tento ser fiel a algumas coisas, a essa pequena magia que um dia houve. Lembro do seu trabalho e do cuidado, lembro da pipoca e dos filmes que sempre te faziam dormir. Lembro de coisas que você nem sabe, ainda hoje sinto o gosto de chá de morango sob a luz da Lua.  

Ando me sentindo parte de uma coisa que não sou, que não sei, mais que insiste em ser também. Como seu jardim de inverno, que mesmo sem ainda ser jardim já era promessa ou coisa além. Tantas vezes não dormi,passei varias noites em claro olhando pra você. Ficava horas em silêncio apenas te olhando e isso me dava tanta paz. Somente eu e o jardim sabíamos disso. 

Acho que essa paz na verdade era nossa real situação, pois quando eu era briga você era perdão, e quando eras tristeza eu era sorriso, e quando sonhavas eu era admirador. Talvez você nunca entenda, na verdade não faz sentido, mas o que eu nunca disse é isso, que procuramos sentido e na verdade é tudo uma confusão. Vivemos perdidos num caminho que conhecemos.  

Sabe aquelas palavras bobas que eu sempre te dizia, era tudo verdade, eu disfarçava, fazia crer que era só poesia, apenas para fugir da banalidade. Porém o que era sincero pareceu compromisso e começou a anular tudo.  

Havia uns choros, mas tantos abraços, tanto sofrimento e mesmo assim era alegre. 

Hoje eu ri como criança, lembrei de quando eu te pegava no colo e te derrubava no chão, eu lembro de você rindo disso também e quase achei que o mundo devia ser assim mais bobo, mais ingênuo sabe, ou que a gente não precisava se esconder, devia viver livre como nesses momentos puros.  

Eu sempre achei que podíamos mais, mas isso de querer o que já tínhamos nos atrapalhava, acho que atrapalha até hoje, porque nunca nos bastou ter consciência do outro, queríamos que fosse algo que só podia ser de alguma forma não natural.  

Acho que nem eu percebi a real intenção disso, porque talvez essa falta de compreensão tornasse a nossa história mais mágica. Isso de eu estar falando Clarice e você declamando Willian, ou de eu gritar Caio e você achar tudo tão Jefferson. 

Nunca entendi quando você pedia para eu ler poemas pra ti, não entendi por ter a impressão que não gostava de lê-los e me perguntava todo tempo qual a intenção de ouvir uma versão minha de um poema seu.  

Talvez você procure um espelho também, um jeito de fugir da luz no túnel errado. Esperança, como eu tinha ódio dessa sua esperança, ódio por ela ser tão bonita, entende? Revoltava-me a ponto de perder a cabeça, desesperadamente tentava te mostrar que o problema não era fora, era com você, e era mesmo, o problema era você acreditar demais, apostar demais, e aceitar que algumas pessoas nunca percebessem o quanto você é especial, mas ao mesmo tempo eu queria que você acreditasse, não perdesse a fé nem congelasse o coração. 

Tem coisas que até hoje não aconteceram, e que talvez nunca aconteçam exatamente por não existirem, quando a gente acredita de verdade as mentiras começam a ganhar o peso de uma coisa real. Não deveríamos mentir assim, sabia? Isso de pronunciar algumas palavras apenas pra preencher um espaço vazio na conversa me parece tão diferente da gente, nosso silêncio muitas vezes falou mais. Não consigo admitir que algumas revelações não sejam feitas, quero silêncio também. Fomos sinceros em tanta coisa que as palavras não podem nos trair.

5 comentários:

Unknown disse...

Jefferson, que texto lindo, eu adorei.
Quando leio alguns textos penso: "Em quem pensava o autor ao escreve-lo?", sorte de quem inspirou (talvez mesmo sem saber), pois acho o maior presente ;)

"...como se os tristes tivessem sentidos mais sinceros..."

beijo

Anna Paula Back

Unknown disse...

Lindo =]

Pacoo FUSKEIRO disse...

Parabens muleke
ta de primeira linhaa
abrazz

disse...

Um sorriso para você. Lindo texto. :)

Fer disse...

Aiin que romântico.

adorei

vc escreve com o coração mesmo.




Fernanda A. Mello ;)