segunda-feira

O Contador de Estrelas

De repente fez-se a luz. E a luz o cegava, tanto que não pode notar a satisfação dos presentes. Chorou e esperneou pela primeira vez.

Voltou a chorar quando levou uma surra do pai, por ter esperneado na mesa de jantar. Negou-se a comer a salada oferecida pela mãe, disse preferir chocolate.

A partir daí sua vida mudou. Recusava qualquer movimento brusco, físico ou mental, todo esforço era freado. O pai morreu de cirrose, amaldiçoando sua mãe, primeiro adúltera, depois prostituta.

Toda noite era trancado no quarto enquanto a mãe batalhava com seu ganha-pão. Começou a se arrastar até a janela, aprendeu a contar as estrelas, começou então a sonhar com a liberdade.

Quando levado ao médico, percebeu que podia ser uma pessoa normal, agora tinha pernas de aço e não tinha o pai para amedrontá-lo. Foi então que conheceu o ônibus escolar, o motorista mal-encarado, o sorriso de Jany e os primeiros inimigos, os quais era obrigado a chamar de colegas.

Sonhava que podia correr até Jany, que podia conversar com Jany, mas então acordava e ela estava distante, nos braços de um colega.

Certa vez ao passar pelo bosque, percebeu que debochavam de suas pernas. Concentrou-se e desengonçado seguiu. Foi pego pelo braço, sentiu-se extasiado, olhou para traz e viu que muitos o perseguiam. Correu. Ao seu lado estava Jany.

Ao correr com ela deixou pelo caminho a lembrança do pai, a dor pela mãe, o quarto escuro e seguiu em direção ao céu.

Correu a vida toda, só parava para pensar em Jany, procurar Jany. Não era capaz de entender que ela também o zombava, que cresceram e agora ela precisava encontrar o seu caminho.

Ela cruzou o país. Caronas, amantes, trabalho. Sonhava com o sucesso mas somente nos sonhos dele era estrela.

Quando jovem começou a inventar uma vida, em todo banco criava uma nova história, fantasiava, idealizava, poetizava.

Quando velho, ainda mostrava para seus colegas de bar a foto que roubou de Jany, sem saber que ela, após vários internamentos morreu de overdose num canto qualquer.

Correu da realidade, mas não pode espernear quando a liberdade o alcançou. Chamou-se entre os homens Forrest Gump.

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